por Renato Neves
16 Outubro 2017
A existência de muros é tão comum – e tão aparentemente banal – que não se dá por eles, estão simplesmente lá. Dividem parcelas e propriedades, ladeiam caminhos, defendem as culturas ou as pastagens do gado próprio ou alheio; confinam, encaminham, sustêm.
Há quanto tempo lá estão? Na maioria dos casos é impossível saber, alguns serão milenares. O certo é que existe uma arte de levantar muros, mesmo no caso de estruturas toscas de pedra sobre pedra, retirada directamente do solo circundante. Arte e engenho que se apura nos blocos talhados e nas ligações com argamassas, ou nos muros largos, de estrutura muito compacta, praticamente sem intervalos ou interstícios entre as pedras, associados normalmente à defesa de terrenos de aluviões contra a força das águas nas cheias.
De facto a disposição das pedras visando o equilíbrio e a solidez da estrutura obedece aos seus cânones, particularmente complexos quando os muros envolvem afloramentos rochosos, ou em situações que têm de vencer declives acentuados, ou ainda quando existe a necessidade de susterem taludes, como no caso dos sempre impressionantes socalcos, sendo que aqui houve também que rasgar as encostas para a construção de terraços que acompanham as curvas de nível.
Associados aos muros e socalcos surgem por vezes também outras construções ou estruturas em pedra particularmente interessantes, como abrigos para pastores.
Como acontece com muitos outros saberes, terá ocorrido ao longo de séculos um apuramento de técnicas e adaptações, conjugando em algumas zonas diferentes materiais litológicos ligados ou não por argamassas. A utilização simultânea do xisto e granito está muito difundida, e em muitas regiões da Beira-Serra (Cova da Beira, Meimoa) é comum a utilização de blocos de quartzitos – os chamados conhos – toscamente aparelhados, ligados por argamassas e lâminas de xistos.
Por norma o assentamento dos blocos das diferentes litologias é feito com pedras “deitadas”, ou seja na sua face de maior comprimento, mas há também situações de assentamentos “ao alto”.
Os muros contam-nos muito mais que a história geológica e a litologia dos sítios, pois há também uma “história natural” e uma biodiversidade ligada às comunidades saxícolas ou rupícolas relacionadas com os muros, nomeadamente líquenes, briófitas, plantas vasculares, insectos, répteis, pequenos mamíferos e mesmo aves que usam os muros como suportes para a instalação dos seus ninhos. Outra das suas funções, sobretudo nas zonas de matos baixos, consiste na barreira ao fogo, podendo auxiliar na sua contenção.
Os muros precisam por isso de muito mais atenção, igualmente pelas suas diferentes tipologias e técnicas construtivas regionais, que os convertem de certa forma em elementos característicos dessas mesmas paisagens, e culturas, regionais.
Sendo construções ancestrais que, comparativamente à actual era dos gabiões, foram levantadas com “técnicas arcaicas”, cujo saber-fazer está igualmente ameaçado, a sua recuperação é particularmente difícil e onerosa, desmotivando a sua reabilitação e conservação.
O levantamento das tipologias, a caracterização e a avaliação dos seus valores do património natural e cultural, a formação de pedreiros habilitados para a sua construção e recuperação segundo técnicas tradicionais, e a divulgação da sua importância são por isso uma prioridade.
Há por aí interessados em formar uma equipa multidisciplinar para um projecto desta natureza? Se houver contem connosco!