por Rui Rufino
11 Dezembro 2017

No nosso primeiro artigo sobre os olivais referimos como a olivicultura sofreu importantes modificações em anos recentes, com a introdução de olivais intensivos em terrenos tradicionalmente utilizados para culturas anuais. Neste artigo olhamos para os efeitos que as alterações recentes na olivicultura poderão ter sobre as comunidades de aves.

De acordo com dados do INE (Instituto Nacional de Estatística) a área do território continental português ocupada com olival está hoje quase ao nível de 2005 cifrando em cerca de 360.000ha, valor inferior aos cerca de 550.000ha registados em 1957, mas um pouco acima dos valores registados no início do século XX (Reis, 2014). Ou seja, se olharmos apenas para a área ocupada por esta cultura não compreendemos as modificações que ela sofreu, sobretudo porque as práticas tradicionais têm sido gradualmente substituídas por práticas mais intensivas. Já se olharmos para a variação da produção dos olivais os efeitos das alterações começam a ser melhor compreendidos.

Fiadas de oliveiras.

Olival extensivo recente no Alentejo.

De facto, na região do Alentejo a produção de azeitona aumentou de forma muito significativa na última década, como resultado da introdução de novas práticas, nomeadamente dos olivais intensivos, pois a produtividade dos olivais nesta zona passou de 484kg/ha para 2231kg/ha em pouco mais de 10 anos (Avillez, 2016). Este aumento de produtividade registou-se em todo o país, com excepção do Algarve, mas foi claramente mais evidente no Alentejo (4,6 vezes) e na Beira Litoral e Entre Douro e Minho com crescimentos da ordem das 2 a 3 vezes.

O olival passa actualmente por uma grande transformação que, a prazo, poderá implicar o abandono dos olivais tradicionais e a subsequente substituição por outras culturas, sobretudo nas áreas onde solos e a morfologia do terreno não favorecem a intensificação.

Ora, esta mudança terá certamente impactes sobre as comunidades de aves e eles far-se-ão sentir de duas formas distintas. Em primeiro lugar ele será sentido nas comunidades de aves que dependem das áreas ocupadas com culturas anuais que têm sido gradualmente convertidas em olival e, em segundo lugar, nas populações de aves invernantes que dependem dos olivais e da apanha tradicional para sobreviver durante o Inverno.

Olival extensivo

Olival tradicional com pousio.

Relativamente às aves que ocorrem nas áreas ocupadas por culturas anuais, nomeadamente aquelas que utilizam o que se convencionou chamar por estepe cerealífera alentejana, há diversos trabalhos que realçam a importância destes habitats para um conjunto de espécies com estatuto de ameaça em Portugal, nomeadamente a abetarda e o sisão. Ainda assim, a ocupação deste habitat por olivais intensivos não deixou de se fazer, mesmo em áreas sujeitas a um regime de protecção como as Zonas de Protecção Especial (ZPE).

Já para as aves invernantes em olivais a informação disponível é mais escassa, embora alguns trabalhos mostrem que os olivais suportam densidades muito elevadas de aves durante o período de Inverno (Rey, 2011) e mesmo densidades que são superiores à generalidade dos habitats existentes no nosso território (Pina, et al. 1990). De facto, trabalhos realizados no final dos anos 80 (Pina, et al. 1990) em diversos habitats, incluindo os olivais tradicionais, apontam para densidades superiores a 1500aves/km2 nos olivais, sendo estas as mais elevadas dos habitats estudados.

Para espécies como as toutinegras-de-barrete-preto e de cabeça-preta, os tordos-comuns e os chapins-reais os olivais tradicionais são os locais onde se registam as maiores densidades de invernantes (Pina, et al. 1990), o que revela a importância que eles devem assumir para a manutenção das suas populações.

Ilustração de chapim-real

Parus major: chapim, cachapim, cedo-vem, mejengra; estes são apenas alguns dos nomes de uma das mais conhecidas aves das aves da fauna portuguesa, muito abundante nos olivais. Uma das várias espécies que poderão vir a ser muito afectadas pelo desaparecimento dos olivais tradicionais. Ilustração de Rosa Bernardo.

Tendo em consideração a área ocupada pelos olivais em Portugal e as densidades de aves observadas é fácil perceber que estamos a falar de milhões de aves que podem vir a perder o seu sustento durante o Inverno, caso os olivais tradicionais sejam substituidos por outras culturas. O facto de se tratar maioritariamente de espécies que não possuem estatuto de ameaça em Portugal não diminui a importância desta perda que se avizinha a passo acelerado.

Dir-nos-ão que nos olivais intensivos também há azeitona que estas aves podem consumir, mas a realidade é outra, porque o mais importante é a disponibilidade do fruto para as aves. De facto, uma vez que a apanha da azeitona é efectuada de forma mecanizada o fruto fica disponível por um período de tempo muito reduzido e depois da apanha muito pouco sobra nas árvores. Por outro lado, em muitos olivais a apanha tem lugar mais cedo, quando o fruto ainda não está completamente maduro e a maior parte das aves invernantes ainda não chegou. Finalmente, as variedades de oliveiras usadas nos olivais intensivos produzem um fruto que, em média, tem uma maior dimensão daquele que as variedades tradicionais produzem em condições de sequeiro, pelo que os frutos disponíveis para as aves são mais difíceis de consumir. Em resumo, embora continue a haver azeitona nos olivais intensivos ela tem o tamanho errado e está disponível para as aves na altura errada e por um período de tempo reduzido.

Paisagem de olival e azinho

Mosaico de olival e azinho disperso.

Neste quadro negro para milhares, ou mesmo milhões, de aves torna-se urgente encontrar soluções para minimizar este impacte, nomeadamente diferenciando os modos de produção e valorizando outros aspectos associados à produção tradicional, como a conservação da natureza e da biodiversidade e a retenção de carbono, que no caso das oliveiras tradicionais se pode prolongar por milinénios.

Referências:

Avilez, F. 2016. A importâmcia económica do sector do azeite. Seminário “O Sector do Azeite: crescimento e competitividade”. Agroges, Sociedade de estudos e projectos.

Pina, J.P., Rufino, R., Araújo, A. & Neves, R. 1990. Breeding and wintering passerine densities in Portugal. Proc. IBCC/EOAC Conf. – Bird Census and Atlas Studies, Ed. K. Stastny & V. Bejcek.

Reis, P. 2014. O olival em Portugal – dinâmicas, tecnologias e relação com o desenvolvimento rural. Animar, Lisboa.
Rey, P.J. 2011. Preserving frugivorous birds in agro-ecosystems: lessons from Spanish olive orchards. Journal of Applied Ecology 48: 228-237.

Veja também o nosso artigo “Ao redor dos olivais (I)”