por Renato Neves
13 Novembro 2017
O azeite é um elemento essencial nas cozinhas e mesas portuguesas, a sua necessidade generalizada por todas as camadas sociais, e por diversas indústrias, nomeadamente as conservas, levaram à expansão da cultura da oliveira muito para lá do que seriam as suas regiões de eleição em Portugal, conferindo uma enorme importância económica a este produto, encontrando-se por isso oliveiras e olivais fora de um contexto climático de feições eminentemente “mediterrânicas”; nessas situações vamos encontrar as árvores dispersas, ou em pequenos núcleos, em locais mais abrigados e soalheiros.
Porém os verdadeiros olivais em Portugal situam-se em Trás-os-Montes, Beira Interior, Ribatejo e Alentejo. As condições nestas regiões levaram a cultura até às encostas declivosas dos grandes rios, ou às cristas quartzíticas e serranias calcárias, num trabalho ciclópico de construção de socalcos, muitas vezes para a ocupação de uma única árvore num único socalco. Nos planaltos ou nas colinas as plantações apresentam-se a compassos regulares, ou regista-se a presença das oliveiras em bordadura, limitando propriedades ou formando alamedas em caminhos.
Sendo uma cultura antiga, não é raro encontrar árvores centenárias e, mesmo até milenárias, que lhes conferem o estatuto de árvores monumentais, sendo conhecidos em Portugal pelo menos 3 diferentes exemplares com idades superiores a 2.000 anos, remontando a mais antiga a cerca de 3350 anos (ICNF)*, contemporânea portanto da civilização micénica…
A gestão tradicional dos olivais implica operações de poda anuais após a safra, a que se segue a queima do material sem aproveitamento para lenha, que ocorre no próprio local, com a consequente incorporação de cinzas no terreno, fazendo-se também a lavra do solo para arejamento das terras e a limpeza dos matos, muitas vezes completada pela pastagem do gado miúdo.
Semelhante maneio é claramente vantajoso para a biodiversidade, sendo que nas situações de socalcos a expressiva presença das pedras constitui também micro habitats rupícolas, que conjuntamente com os troncos das oliveiras constitui locais de abrigo, ou permanência, para numerosas espécies.
A cultura da oliveira e a produção de azeite conheceram um período de declínio em Portugal a partir dos anos sessenta do século passado, que levaram à substituição desta cultura em muitas regiões, num processo que se intensificou logo após a adesão de Portugal à CEE na sequência da chamada PAC, havendo nessa altura apoios ao arranque do olival.
José Saramago nas suas “Pequenas Memórias” lamenta a perda dos velhos olivais da sua infância na Azinhaga (Golegã), interrogando-se para onde teriam ido os lagartos que se abrigavam nos seus carcomidos troncos, o que constitui uma curiosa nota, ou reparo “ecológico” por parte do autor.
A partir dos anos noventa, na sequência da valorização da chamada “dieta mediterrânica”, ocorre um interesse generalizado pelo azeite quer por parte do mercado interno, quer do mercado externo tradicional (Brasil, África), quer da parte de novos mercados (Europa do Norte), circunstância que levou ao incremento da cultura da oliveira, desta feita através de incentivos à instalação de olivais em regime intensivo ou super intensivo, com recurso a rega e árvores adaptadas à apanha mecânica da azeitona (com um só tronco).
Só na área de regadio do Alqueva plantaram-se cerca de 30.000 ha de novos olivais, frequentemente à custa do arranque do olival antigo, pois citando o relatório do projecto de emparcelamento rural dos coutos de Moura relativamente à instalação do olival, pode ler-se: “em primeiro lugar proceder-se-á à eliminação da vegetação existente, lenhosa ou herbácea, sendo que a parte mais significativa será constituída por olival antigo, que terá ainda valor comercial, quer para lenha, quer eventualmente para transplantação para jardinagem”, ou seja nesta política de intensificação e emparcelamento não foram equacionadas medidas que pudessem, por exemplo, incentivar a permanência de faixas ou manchas de olival antigo, as quais poderiam funcionar como “bolsas de biodiversidade”, ou mesmo até ao nível da valorização e diferenciação do próprio azeite que viesse a ser produzido nesse conjunto de áreas olival tradicional. Medidas que se colocavam com maior acuidade na área do regadio do Alqueva, mas que se poderiam também aplicar noutras regiões produtoras de azeite.
Recordemos que as únicas diferenciações que poderão existir no azeite prendem-se com a chamada denominação de origem (DOP), ou os métodos de produção (agricultura biológica), ou com a qualidade (virgem, extra-virgem). Nestas condições de indiferenciação entre olivais intensivos ou extensivos ou tradicionais, uma boa parte dos segundos, compostos por árvores centenárias, estão condenados ao abandono, pois a colheita mecânica é impraticável e o custo de manutenção e colheita manual demasiado elevado face ao rendimento do azeite. Apesar disso alguns proprietários têm promovido com êxito as suas marcas de azeite obtidas neste tipo de olivais, com ou sem certificação de agricultura biológica.
Sabendo-se que em termos de paisagem e biodiversidade, os olivais de cultura intensiva são, comparativamente aos olivais tradicionais, verdadeiros “eucaliptais de azeitonas”, falta uma política de diferenciação entre o que é o azeite produzido a partir dessas duas distintas formas de cultura. Falta também informação aos consumidores e aos mercados. Portugal muito teria a ganhar com isso, pois a paisagem e a biodiversidade são também valores que devem entrar nesta equação e há lugar, e mercados, para os dois tipos de produção.
* ver notícia do Público: Oliveira mais antiga de Portugal nasceu há 3350 anos