por Renato Neves
25 Agosto 2017
A questão dos baldios, do seu aproveitamento e da sua posse remonta ao século XIX, datando da viragem do século as primeiras florestações do Estado nesses territórios.
No entanto é com o Estado Novo que a questão ganha particular acuidade, tendo pela primeira vez sido realizado o cadastro dessas áreas, iniciado em 1932 pela Divisão de Baldios, Incultos e Colonização da Direcção Geral da Acção Social Agrária. Organismo que acabou por ser extinto em 1936 dando origem, com novas competências, à Junta de Colonização Interna (JCI), que embora muito virada para as questões dos aproveitamentos hidroagrícolas e estabelecimento de colonos em foros ou parcelas arrendadas que beneficiassem do regadio, tinha também a preocupação de “colonizar” áreas dos baldios com alguma aptidão agrícola, através do estabelecimento de “colónias”, na prática novos aldeamentos, em que os agricultores, apoiados técnica e financeiramente pela JCI, viessem a arrotear essas área de baldios que, posteriormente passariam para a sua plena posse.
Esta visão de um aproveitamento quase unifamiliar, “agrário” de “privatização” dos baldios, estava em completo desacordo com a visão “florestal” e “industrial”, de “estatização” representada pelos Serviços Florestais, e assim no seio do Ministério da Agricultura viveu-se uma tensão entre as duas facções, sendo no entanto a “facção florestal” beneficiada, logo que as questões eram levadas ao Conselho de Ministros ou à Câmara Corporativa.
Ainda assim, e após o cadastro, a JCI veio a constituir uma reserva de áreas “colonizáveis” de que este mapa nos dá conta, e que perfaziam para o continente uma área superior a 40.000ha no entanto, provavelmente, muito longe do que os defensores da “visão agrária” defendiam.
Com a lei do Povoamento Florestal de 15 de Junho de 1938, grande parte dos baldios passam a ser integrados nos chamados perímetros florestais e por via disso, passam para a posse do Estado. Até aos anos 50 assiste-se, apesar de muitas vozes contrárias, a uma verdadeira estatização dos baldios, e os Serviços Florestais passam a assumir um papel de super estrutura nacional, dividida em administrações, circunscrições e perímetros florestais. A sua acção não se limitava aos terrenos do Estado, promovendo a florestação de alguns terrenos baldios que restavam ainda para usufruto dos povos, e mesmo áreas privadas.
A visão da JCI para os baldios aplicou-se apenas em algumas situações muito pontuais, a sua reserva de “área colonizável” e o seu conceito quanto ao destino dessas áreas não teve qualquer seguimento.
E se tivesse tido? Teríamos hoje uma floresta diferente? É difícil de saber, também porque o processo de florestação intensiva dos baldios se arrastou até ao início dos anos sessenta coincidindo parcialmente com o começo do abandono generalizado do interior através da emigração.
Haverá alguma relação entre estes dois acontecimentos? Após um verão de incêndios florestais trágicos é uma boa pergunta para estes tempos de mudança – e de esperança – para a floresta portuguesa.
Nota: O mapa que apresentamos é proveniente de uma publicação desconhecida.
Referências:
João Antunes Estêvão, “A Florestação dos Baldios”; Análise Social, Vol XIX (77-78-79), 1983-3º,4º,5º, 1157-1260