por Renato Neves
04 Setembro 2017

Estes são os principais nomes vulgares portugueses para a Corema album que, por Setembro adentro frutifica nas zonas dunares, dessedentando quem por lá passa, pois os seus pequenos frutos esféricos, brancos e rosados, de sabor levemente ácido, são bastante refrescantes.

Trata-se de uma espécie que ocorre apenas no oeste e sudoeste da Península Ibérica, havendo ainda a registar uma subespécie em algumas ilhas do arquipélago dos Açores.

Na Península a sua distribuição inicia-se, a norte, numa zona da Corunha, sugestivamente chamada Camariñas, terminando a sul, em Tarifa, na não menos sugestiva Punta Camarinal; topónimos sem dúvida indiciadores da sua abundância e representatividade (Gil-López, 2011).

Em Portugal a sua ocorrência parece ser praticamente generalizada em todas as zonas dunares costeiras, designadamente uma faixa contínua coincidente com as gândaras de Aveiro, Mira, Tocha, Quiaios, Lavos e Leiria; Surgindo depois na Península de Setúbal, costa Sudoeste, e cordão dunar da Ria Formosa a Vila Real de Santo António. Pontualmente ocorre também em dunas supra-litorais.

Mapa da distribuição de Corema album em Portugal continental, segundo a flora-on. Dado tratar-se de um mapa elaborado com base em contributos é natural que não corresponda á distribuição real da espécie, vindo a aumentar a área com novos dados e contributos

Distribuição de Corema album em Portugal continental, segundo a flora-on

A correspondência desta distribuição, com o que podemos designar por “macro-toponímia”, obtida através da cartografia 1:25.000, por via do Reportório Toponímico de Portugal do Serviço Cartográfico do Exército (Lisboa – 1967) (Mapa ao lado), embora coincidente com a distribuição litoral e, em alguns casos, supra litoral, apresenta algumas divergências, surgindo em localidades de contextos ecológicos muito distantes das exigências desta espécie, cuja origem pode estar relacionada com outros significados, ou derivados da palavra.

Distribuição de topónimos relacionados com “camarinha” nas cartas 1:25.000. Carta obtida através da consulta do Reportório Toponímico de Portugal do Serviço Cartográfico do Exército (1967)

Distribuição de topónimos relacionados com “camarinha” nas cartas 1:25.00

Como acontece com muitas outras plantas silvestres, o seu aproveitamento com fins alimentares estava muito mais difundido no passado do que na actualidade. Escavações arqueológicas levadas a cabo em Lisboa, na Rua dos Correeiros (Bugalhão & Queiroz, 2005) e na Casa dos Bicos (Queirós & Mateus, 2011) evidenciam o consumo destes frutos no período medieval. Sabendo-se que esse consumo assumiu alguma representatividade, e tratando-se de uma espécie certamente ausente do elenco florístico de Lisboa e do seu termo imediato, podemos inferir que terá existido uma colheita em zonas dunares mais ou menos próximas, dando origem a uma importação e comercialização no mercado urbano.

Sendo também curioso que a colheita e a venda perduraram em determinados contextos até meados do século XX, com exemplos documentados na cidade do Porto (aparentemente por importação da Galiza) e na região de Barbate (Cádis), (Gil-López, 2011), bem como testemunhos de ser vendida “informalmente” ao redor de alguns mercados, cujos vendedores seriam pessoas de classes sociais muito baixas no limiar da exclusão, situação semelhante à que Gil-Lopez refere para Barbate.

Além da sua utilização alimentar, a planta, graças ao seu tipo de ramificação densa e erecta, e às suas folhas curtas e grossas, parece ter sido utilizada também no fabrico de escovas e vassouras, pois o nome Corema advém do grego através de “korema”, cujo significado é escova.

A sua resistência à secura, e a possibilidade de se desenvolver em substratos arenosos, tornam-na muito adequada como planta ornamental em canteiros, bordaduras ou associações com outras espécies psamófilas. Pelo que no futuro a veremos certamente em habitats diferentes das dunas. Será pois o regresso das camarinhas às cidades!

Referências:
Bugalhão, J.: Queiroz, P.F. (2005) – Testemunhos do consumo de frutas no período islâmico em Lisboa. Al-Andaluz espaço de Mudança. Balanço de 25 anos de história e arqueologia medievais. Homenagem a Juan Stabel-Hansen. Seminário Internacional. Mértola 16, 17, e 18 de Maio de 2005. Campo Arqueológico de Mértola.

Gil-López, M.J. (2011) Etnobotánica de la Camarina (Corema Album) en Cadiz; Acta Botanica Malaciana, 36:137-144. Málaga.

Queiroz, P.F.: Mateus, J.E. (2011) – Estudo Paleoecológico do depósito orgânico medieval conservado na estratigrafia arqueológica da Casa dos Bicos, Lisboa. Terra Scenica – Território Antigo. Relatório 25.